Juízes e promotores de justiça não podem ser candidatos em qualquer cargo político-eleitoral. Caso queiram, precisam ser exonerados de seus cargos. As regras do direito eleitoral são claras.
Vejamos.
A Constituição da República no artigo 95 traz as seguintes vedações, in verbis:
Art. 95 - Os juízes gozam das seguintes garantias:
(...)
Parágrafo único.
Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
(...)
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
Art. 128 - O Ministério Público abrange:
(...)
II - as seguintes vedações:
(...)
e) exercer atividade político-partidária;
É indiscutível que juízes e promotores são proibidos pela Constituição da República de se filiarem a partido político, bem como de qualquer outra forma exercerem atividade político-partidária. Isso, significa em suma que para eles ingressarem na vida política é necessário que peçam exoneração dos seus cargos.
A legislação eleitoral, especificamente, LC nº 64/90, na esteira da Constituição Federal, reza, in verbis:
Magistrados
Art. 1º São inelegíveis:
(...)
II - para Presidente e Vice-Presidente da República:
a) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções:
(...)
8. os Magistrados;
Membros do Ministério Público
Art. 1º São inelegíveis:
II - para Presidente e Vice-Presidente da República:
j) os que, membros do Ministério Público, não se tenham afastado das suas funções até 6 (seis)) meses anteriores ao pleito;
Os dispositivos acima tratam das necessárias exonerações em ambos os cargos para que seus titulares possam iniciar a jornada na vida política. É importante frisar que as exonerações precisam ser de forma cabal, não podendo ficar, em absoluto, nenhuma pendência quanto ao desligamento.
Diz-se isso, tendo em vista que há precedentes em que Presidente de Tribunal de Justiça deferiu monocraticamente, sob condição, a aposentaria de magistrado que pretendia filiar em partido político, ou seja, ad referendum do Tribunal Pleno, uma espécie de “aposentadoria provisória”.
Trata-se de uma figura, no mínimo, estranha, para o mundo eleitoral, pois não há como o magistrado gozar de benefícios de aposentado sem de fato ser, e ser de forma cabal.
Tal expediente serviu para municiar o magistrado em processo de filiação partidária com o propósito de não perder o prazo legal para ingresso na agremiação, qual seja, 6 (seis) meses antecedentes às eleições.
No caso, o afastamento do juiz do cargo de magistrado iniciou antes dos seis meses para a filiação. Porém, o Pleno do Tribunal de Justiça somente deliberou sobre o pedido de aposentadoria, em definitivo, após a data máxima estipulada pela legislação eleitoral para as filiações partidárias.
É importante salientar que sob a égide do Direito Administrativo, a decisão colegiada do Tribunal de Justiça, referendando ou não a decisão monocrática do Presidente, é Ato Administrativo Composto, ou seja, se dá em duas etapas.
Conforme ensina JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, in Manual de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 33ª ed, 2019, p. 136, in verbis [1]:
Já os atos compostos não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há, na verdade, uma só vontade autônoma, ou seja, de conteúdo próprio. As demais são meramente instrumentais, porque se limitam à verificação de legitimidade do ato de conteúdo próprio. Exemplo: um ato de autorização sujeito a outro ato confirmatório, um visto.
No que toca aos efeitos, temos que os atos que traduzem a vontade final da Administração só podem ser considerados perfeitos e acabados quando se consuma a última das vontades constitutivas de seu ciclo. Embora, nos atos compostos, uma das vontades já tenha conteúdo autônomo, indicando logo o objetivo da Administração, a outra vai configurar-se, apesar de meramente instrumental, como verdadeira condição de eficácia.
(...)
A vontade final é que vai resultar de todas as manifestações ocorridas no curso da formação do ato. É por esse motivo que o ato a que corresponder a vontade final da Administração só vai ser tido como perfeito e acabado quando todas as vontades-meio tiverem intervindo. Logicamente que cada vontade-meio vai ser retratada num determinado ato praticado por agente administrativo. Esses atos-meios deverão ser apreciados por si mesmos. (nosso grifo)
Não resta dúvida, que o ato de aposentadoria do magistrado candidato é um ato administrativo composto e somente surte efeitos cabais com a publicação da homologação do Pleno do Tribunal de Justiça (2º ato). A decisão monocrática do Presidente do Tribunal só passa a surtir efeitos completos com a homologação do colegiado.
Em recente decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, tendo como Relator o Min. GILMAR MENDES, autor da ação a UNIAO NACIONAL DOS JUIZES FEDERAIS DO BRASIL - UNAJUF e ré a UNIÃO, na AÇÃO ORIGINÁRIA 2.236 GOIÁS, fixou-se parâmetros sobre a matéria de candidaturas de magistrados e promotores de justiça.
Vejamos principais trechos da citada decisão, in verbis:
No plano constitucional, os incisos I e III do art. 95, parágrafo único, vedam aos juízes “exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério” e “dedicar-se à atividade político-partidária”. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional repisa as vedações constitucionais – alíneas “a” e “c” do art. 26, II, da Lei Complementar 35/1979.
No Brasil, os Juízes e Promotores exercem as atribuições de autoridade eleitoral. Perfeitamente natural que os magistrados, sendo os fiscais e árbitros das eleições sejam impedidos de se candidatar aos pleitos.
O regime jurídico da magistratura é conhecido daqueles que ocupam o cargo, que podem se desincompatibilizar quando bem entenderem. A restrição ao jus honorum é, se não voluntária, ao menos consentida.
(...)
Nesse sentido, aplica-se, mutatis mutandis, aos magistrados o mesmo entendimento em relação às vedações institucionais impostas pela Constituição aos membros do Ministério Público, cuja validade restou reconhecida por esta Corte em recente julgado, a seguir ementado:
“Constitucional. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Membros do Ministério Público. Vedação: art. 128, § 5º, II, “d”. (...). Caso concreto: alegação de violação a uma regra constitucional – vedação a promotores e procuradores da República do exercício de ‘qualquer outra função pública, salvo uma de magistério’ (art. 128, § 5º, II, ‘d’) –, reputada amparada nos preceitos fundamentais da independência dos poderes – art. 2º, art. 60, § 4º, III – e da independência funcional do Ministério Público – art. 127, § 1º. (…) Vedação a promotores de Justiça e procuradores da República do exercício de ‘qualquer outra função pública, salvo uma de magistério’ (art. 128, § 5º, II, “d”). Regra com uma única exceção, expressamente enunciada – ‘salvo uma de magistério’. (...) O que é central ao regime de vedações dos membros do MP é o impedimento ao exercício de cargos fora do âmbito da Instituição, não de funções. (...) Concretização da independência funcional do Ministério Público – art. 127, § 1º. A independência do Parquet é uma decorrência da independência dos poderes – art. 2º, art. 60, § 4º, 11. Ação julgada procedente em parte, para estabelecer a interpretação de que membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da Instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério, e declarar a inconstitucionalidade da Resolução 72/2011, do CNMP. Outrossim, determinada a exoneração dos ocupantes de cargos em desconformidade com a interpretação fixada, no prazo de até vinte dias após a publicação da ata deste julgamento”. (ADPF 388, de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 1.8.2016, grifo nosso)
(...)
De outra parte, há julgados desta Corte que trazem a LOMAN para o bloco de constitucionalidade até que sobrevenha nova norma complementar prevista no art. 93 da CF. Esse artigo foi explícito em considerar que lei complementar disporia sobre o Estatuto da Magistratura (Loman - Lei Complementar 35/79), o que atrairia, igualmente, as vedações previstas art. 26, II, deste, in verbis:
“Art. 26 - O magistrado vitalício somente perderá o cargo (vetado): (…) II - em procedimento administrativo para a perda do cargo nas hipóteses seguintes: a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério superior, público ou particular; b) recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de percentagens ou custas nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; c) exercício de atividade político-partidária”.
Ademais, é evidente que a Constituição repassa a tal diploma normativo os contornos dos impedimentos e vedações necessários para o bom exercício da magistratura, o que permite inferir que a atual Loman (Lei Complementar 35/79) integraria o bloco de constitucionalidade e serviria de parâmetro de controle jurisdicional típico de conformação de atos administrativos ou legislativos infraconstitucionais.
(...)
Ora, ao realizarem-se as interpretações sistemática e teleológica entre o art. 14, § 3º, V, e o art. 95, parágrafo único, III, do texto constitucional é nítida a opção do Poder Constituinte Originário de afastar tal categoria de agentes políticos do cenário de filiação político-partidária, o que, por obviedade, atinge as condições de elegibilidade e configura exceção interpretativa ao item 2 do art. 23 do Pacto de San José da Costa Rica.
Consequentemente, tendo em vista a expressa vedação pelos arts. 95, parágrafo único, III, da Constituição e 26, II, “c” da LOMAN, inexiste respaldo constitucional que viabilize a prática de atividade político-partidária por membros da magistratura.
Por isso, não vislumbro plausibilidade jurídica no pleito da autora, porquanto manifestamente contrária à jurisprudência desta Corte.
Por derradeiro, considero prejudicado o pedido referente à aplicação subsidiária da licença prevista no art. 81, IV, da Lei 8.112/1990, tendo em vista que sua incidência pressupõe filiação partidária e alistamento do magistrado, nos moldes do art. 86 da mesma lei. Desse modo, como tal alistamento é vedado aos juízes, a regra invocada é manifestamente inaplicável à categoria.
Isso posto, nego seguimento à presente ação ordinária, por ser manifestamente improcedente (art. 21, § 1º, do RISTF), restando prejudicado o pedido de liminar.
Deixo de condenar a autora em honorários advocatícios, ante a inexistência de citação do réu. Publique-se. Intime-se. Brasília, 30 de junho de 2017. Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digital
Chama a atenção o antepenúltimo parágrafo do Acórdão, o qual manifesta conteúdo tocante à utilização de expediente precário para a filiação partidária como uma espécie do que dispõe o art. 81, IV da Lei nº 8.112/1990, ou seja, uma licença temporária.
Os efeitos do expediente precário dispõem nada mais do que os mesmos efeitos de uma licença. Para efeitos de filiação partidária não tem aplicabilidade por conta de que é necessário o afastamento definitivo, ou seja, uma espécie de “desincompatibilização definitiva” do magistrado.
Poderíamos dizer que em sede de direito eleitoral inaugura-se a expressão “desincompatibilização” como gênero, com duas espécies, respectivamente: definitiva e temporária.
Não resta dúvida de que a utilização do expediente precário aponta para a impossibilidade de filiação partidária hábil para a disputa eleitoral, uma vez que o afastamento cabal se dá em data posterior à data limite para filiação partidária.
Se a Justiça Eleitoral for permitir que Ato de Aposentadoria de caráter monocrático e precário sirva para filiação partidária, poderá legitimar uma prática com extrema potencialidade de fraude.
Alguém poderá requerer o ato de aposentadoria de forma monocrática, filiar-se em um partido e fazer o possível para que se leve à homologação somente após as convenções partidárias, ou, inclusive, após o resultado das eleições. Isso, poderia levar, caso o candidato magistrado não passasse pelas prévias ou perdesse a eleição, em desistência do pedido de aposentadoria, ou, a administrasse uma simples decisão do Tribunal Pleno de não homologação do ato de aposentadoria, possibilitando o retorno às atividades judicantes após as convenções ou após as eleições.
Além do acima explanado, a LC nº 64/90 traz mais uma situação de inelegibilidade para magistrados e membros do Ministério Público, qual seja, in verbis:
Art. 1º São inelegíveis:
(...)
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Transcreve-se trecho do voto do Ministro DIAS TOFFOLI, na ADI 4.578/DF[2], que tratou sobre a constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/2010, in verbis:
DA ALÍNEA “K”, RENÚNCIA A MANDATO ELETIVO, E DA PARTE FINAL DA ALÍNEA “Q”, APOSENTADORIA OU EXONERAÇÃO VOLUNTÁRIAS DOS MAGISTRADOS E MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PENDÊNCIA DE PROCESSO DISCIPLINAR
k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;
Ambas as previsões configuram hipóteses em que se furta o acusado ao crivo de procedimento de controle de responsabilidade política ou disciplinar, por ato eminentemente voluntário.
Como já ressaltei no RE nº 630.147/DF e no RE 631.102/PA, a imputação da inelegibilidade ao candidato que renunciou anteriormente a mandato eletivo não ofende, a meu ver, a cláusula constitucional da presunção de inocência, por se tratar de ato voluntário e unilateral do agente, que refoge da previsão de cláusula de garantia, instalada necessariamente em sede de processo judicial ou administrativo.
Não poderia se beneficiar eternamente da presunção de inocência o cidadão que renuncia, já que fica prejudicado o procedimento de apuração de responsabilidade tendente à sua expulsão do quadro de agentes políticos. Mormente porque uma das consequências da procedência de sua exclusão seria a inelegibilidade prevista constitucionalmente. (grifo nosso)
Na linha do raciocínio manifesto no julgamento da ADI 4.578/DF, a inelegibilidade prevista na alínea “q” afasta do processo eleitoral aqueles que fogem de processos disciplinares por meio dos pedidos voluntários de exoneração e aposentadoria.
Diz a impugnação que a referida alínea foi inserida na Lei nº 64/90 – Lei das Inelegibilidades por meio do Projeto de Lei Complementar nº 518 de 2009, o qual foi proposto pelo então Deputado Federal Flávio Dino, ex-Magistrado Federal e atual Governador do Maranhão. Segue a Justificação[3] para a referida proposição, in verbis:
A presente emenda tem por objetivo tornar inelegíveis os magistrados que forem aposentados compulsoriamente, que tenham perdido seu cargo por sentença ou que vierem a pedir exoneração ou aposentadoria voluntária enquanto houver julgamento de processo administrativo disciplinar pendente. Esta última hipótese é prevista para evitar que pedido de exoneração ou de aposentadoria voluntária seja realizado para afastar eventual inelegibilidade de magistrado, o que seria verdadeira burla ao espírito deste Projeto de Lei Complementar.
Sala das Sessões, 2010. Deputado FLÁVIO DINO PCdoB/MA”
VII – DA CONCLUSÃO
A Constituição da República e a legislação infraconstitucional mostram de forma clara a vedação da atividade política-partidária de magistrados e membros do Ministério Público. Como se constata pelo acima explanado, a única forma possível de juízes e promotores de justiça se filiarem em partidos políticos, e, assim, concorrerem em quaisquer cargos em eleições é procedendo as respectivas exonerações dos cargos ocupados.
JOSÉ LUÍS BLASZAK, advogado em Porto Alegre/RS e Cuiabá/MT. Foi Juiz Membro do TRE/MT (Biêio 2012/2014)
REFERÊNCIAS
ALVIM, Frederico Franco. Manual de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2016.
RODRIGUES, Marcelo Abelha; CHEIM JORGE, Flavio. Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: RT, 2014.
ZILIO, Rodrigo López, Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
[2] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADC29DT.pdf
[3]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=753077&filename=EMP+7/2010+MESA+%3D%3E+PLP+168/1993