A propaganda eleitoral tem um histórico interessante na política brasileira. Com a abertura política em 1985 e com a consequente consolidação das votações diretas como marco de democracia, a propaganda eleitoral foi vista como uma espécie de salvo conduto dos atos democráticos e políticos no país. Afinal, naquela época, colocar a candidatura nas ruas de forma ampla e irrestrita era o sonho de qualquer candidato.
Após a abertura política as eleições começaram a ganhar corpo e em seguida surgiram as regras da propaganda eleitoral. No ano de 1997 surgiu a Lei nº 9.504, apelidada de Lei das Eleições, a qual traçou procedimentos desde as convenções partidárias até o pós-eleição. Destacamos da Lei nº 9.504/1997 as regras para a propaganda eleitoral, que sempre estiveram insculpidas nos artigos 36 seguintes.
Inicialmente, a propaganda era a mais ampla possível, com distribuição de santinhos, broches, dísticos, bonés, camisetas, bandeiras, adesivos, panfletos, informativos, visita de casa em casa, fixação de outdoors, pinturas em muros, fixação de cartazes em pontos de ônibus, fixação de placas em árvores, viadutos, pontes, carreatas, carros de som, comícios, showmícios, reuniões de bairros, almoços, jantares e brindes em geral.
Durante o período permitido em todos os dias da semana tinha distribuição de material de propaganda eleitoral nas ruas, nas sinaleiras de trânsito, nas casas dos eleitores. Cada candidato com o seu exército de cabos eleitorais fazia uma jornada exaustiva de propagação da sua candidatura. O lapso temporal era de 6 de julho até às vinte e duas horas do dia que antecedia a eleição. No dia das eleições, inclusive, era garantida a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos.
Defendia-se a ampla propaganda eleitoral como sinal externo de uma democracia recém conquistada. Era muito comum se ouvir e ler que se tratava da festa da democracia.
A festa da democracia, porém, durou pouco. O impacto da ausência de eleições diretas, anteriormente, assim como de sua respectiva falta propaganda eleitoral foram esquecidas rapidamente e logo se deu lugar às proibições. Sob o discurso de que as propagandas sujavam muito a cidade e o barulho dos carros de som incomodava a população, o Ministério Público Eleitoral país afora fez nascer uma figura coercitiva denominada Termo de Ajustamento de Condutas eleitorais - TAC.
Os TACs eleitorais foram e continuam sendo utilizados como instrumentos coercitivos nas eleições brasileiras, especialmente tocante à propaganda, pois de forma constrangedora se “convida” os partidos, coligações e candidatos para assinar um “acordo” com o Ministério Público Eleitoral e o Juiz Eleitoral. A questão a ser posta é: para quem não assinar quais as consequência formais e informais durante a campanha?
Tal instrumento se mostra totalmente anômalo, pois sua aplicabilidade acontece antes mesmo de qualquer irregularidade praticada. Não há lei alguma de cunho eleitoral com previsão de tal instrumento.
A inspiração dos TACs pode ser obtida no site do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP que lá estampa:
O termo de ajustamento de conduta é um acordo que o Ministério Público celebra com o violador de determinado direito coletivo. Este instrumento tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.”[1]
O CNMP aborda os termos de ajustamento sob a ótica da violação, de impedir a continuidade de situação de ilegalidade, enquanto no direito eleitoral nada disso é realidade. A aplicabilidade dos TACs eleitorais não pressupõe uma conduta irregular ou ilícita. A incongruência está no fato de que na esfera eleitoral os termos são realizados antes de qualquer conduta ser praticada. Então, a lógica induz ao pensamento de que se não há conduta violadora não há que se falar em termos de ajustamento de conduta.
Diz ainda o CNMP:
O termo de ajustamento de conduta está previsto no § 6º do art. 5º da Lei 7347/85 e no art. 14 da Recomendação do CNMP nº 16/10: Lei nº 7.347/85, § 6° - Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. Recomendação do CNMP nº 16/10, art. 14 - O Ministério Público poderá firmar compromisso de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados.[2]
Destaca-se, que o próprio CNMP recomenda a necessidade de previsão legal para a utilização de termos de ajustamento. Fica claro e evidente que a manifestação do CNMP diz respeito à lei das ações civis públicas. Portanto, sem nenhuma relação com o direito eleitoral, uma vez que não há previsão de ação civil pública no ordenamento eleitoral.
Os TACs eleitorais foram os embriões de várias mudanças negativas na Lei das Eleições tocante à propaganda.
Assim se deu o início de um novo tempo nas campanhas eleitorais: o tempo sem a ampla propaganda nas ruas com milhares de santinhos, de cartazes, de panfletos, de informativos, dentre outros.
Frisa-se, que essa distribuição de material tinha previsão na Lei das Eleições. Eram propagandas permitidas, com controle legal, facilmente identificadas e quando em desacordo com a norma se determinava a sua imediata retirada, o que não demorava mais do que algumas horas ou no máximo dia.
As propagandas com conteúdo inverídico, de igual modo, eram facilmente identificadas e de simples delimitação do seu alcance, o que viabilizava com justiça a reparação por meio de direito de resposta.
Com as tantas proibições por conta dos TACs eleitorais e proibições na legislação, os marqueteiros da política não se deram por vencidos. Logo a mídia digital virou a principal ferramenta para driblar as tantas proibições, ganhando espaço na propaganda eleitoral, proporcionando endereços eletrônicos para os candidatos se mostrarem à uma nova comunidade: a comunidade virtual.
Se substituiu o público alvo, deixando-se para trás o povo das ruas - o povo físico, para atingir o povo das mídias sociais - o povo digital. Tal advento foi comemorado pelos que não gostavam do lixo eleitoral das ruas.
A rapidez com que a propaganda digital avançou é proporcional aos incrementos que cada dia nasce no meio web. Logo, plataformas como Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp, para citar alguns, passaram a ser as ferramentas não só dos candidatos certos, bem como daquelas pessoas aparentemente sem pretensões, mas que aos olhos de marqueteiros e partidos reúnem mínimo de perfil.
Pessoas especializadas oferecem aos partidos e candidatos tanto serviços amparados pela lei quanto os que vão na contramão da legalidade. Atualmente é possível impulsionar positivamente um perfil sem apelo direto de cunho eleitoral, bem como se pode realizar postagens de conteúdo falso contra alguém, chamadas de fake news, lixo eletrônico, lixo digital. Estas mensagens chegarão até você disfarçadas de notícia e perfil verdadeiros.
Quando se lança mão antecipadamente destas ferramentas se tem como objetivo realizar certa preparação de terreno, caso venham a decidir pela candidatura. Tal possibilidade fica facilitada pela dificuldade ainda de controle da Justiça Eleitoral deste mundo virtual. Enquadrar tais práticas como propaganda antecipada virou matéria obsoleta, desnecessária, diante da magnitude e ao mesmo tempo sutileza do alcance.
Além disso, pode-se testar, antecipadamente ao período eleitoral permitido, o perfil de neófitos com potencial político, facilitando às agremiações as escolhas de nomes que valeria a pena apostar as fichas.
Porém, a realidade é mais séria do que aparenta. A última eleição dos EUA suspeita-se que o vencedor tenha se beneficiado do uso destas ferramentas ilegais. As pesquisas apontavam, na reta final, a vitória de Hillary Clinton. Comenta-se que o resultado de Trump como vencedor tenha sido por conta das avalanches de fake news, ou seja, notícias falsas encaminhadas às vésperas da eleição para milhões de eleitores, e, que boa parte destes destinatários mudaram sua preferência por conta do conteúdo falso.
É dito que já se importou para as próximas Eleições Gerais no Brasil em 2018 a tecnologia de manipulação digital de informações para a prática de propaganda eleitoral fora das normas e dos limites controláveis da Justiça Eleitoral.
Robôs, fake news, junk news, big data, são algumas das ferramentas que podem ser utilizadas na propagação da propaganda eleitoral digital fora das regras e do controle da Justiça Eleitoral. A utilização destas ferramentas são prejudiciais ao sistema democrático de disputas eleitorais porque potencializam a divulgação de perfis tanto verdadeiros dos candidatos quanto falsos dos adversários.
A reparação é praticamente impossível na medida em que a notícia se propaga. O direito de resposta é inócuo, pois não se sabe qual foi o real alcance do fake news.
É importante que se diga do poder de fogo destas ferramentas, ou seja, elas podem disparar uma notícia avassaladora e num segundo de tempo alcançar milhões de eleitores que possuam uma das plataformas de acesso.
Como já dito, são manobras digitais capazes de manipular a marcha eleitoral, ferindo o processo democrático de paridade de armas nas disputas entre candidatos. Numa análise singela, ao se enfraquecer a propaganda tradicional das ruas, do corpo a corpo, fortaleceu-se o ambiente virtual sem aparente controle. Um produzia lixo físico, palpável, reciclável; o outro, produz lixo eletrônico, sem controle, impossível de se tocar, de ser delimitado.
Em recente forum nacional sobre a propaganda eleitoral digital promovido pelo Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país se concluiu que é necessário e urgente o aprofundamento da matéria, especialmente, no que tange ao combate e a proliferação das notícias falsas, as fake news. A identificação delas nas redes sociais, bem como os seus rastreamentos a ponto de identificar aqueles que as promovem é imperativo da Justiça Eleitoral e seus parceiros institucionais.
O momento é de reflexão sobre os objetivos da propaganda eleitoral. Entre passado e presente há elementos em comum e a democracia é a principal. A democracia precisa ser preservada mesclando-se as práticas inicias, do corpo a corpo, por exemplo, com as ferramentas virtuais de hoje dentro da legalidade e do controle de equidade.
José Luís Blaszak, advogado em Porto Alegre/RS e Cuiabá/MT. Foi juiz-membro do TRE/MT (biênio 2012/2014).