Ausência de análise decorrente das alterações na Lei de Improbidade viola CPC

 é advogado da Jacoby Fernandes e Reolon Advogados e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

 é professor consultor parecerista escritor e advogado em temas afetos ao Direito Administrativo mestre em Direito Público e consultor cadastrado no Banco Mundial integra a equipe de consultores em matéria de licitações e contratos do Instituto Protege.

A evolução legislativa que deu ensejo a extensa alteração na Lei nº 8.429/1992, decorre da própria modificação e aprimoramento da sociedade, bem como, das adaptações às construções hermenêuticas da própria jurisprudência. A justificativa da proposta de alteração da norma revela a incorporação desta curva de amadurecimento do tema da probidade.

Ao acentuar a modificação interpretativa como uma evolução que incorpora a boa doutrina e jurisprudência colhida dos magistrados, que com sabedoria ousaram evoluir o tema, deve-se recordar publicação no prestigioso veículo Conjur.

De fato o eminente desembargador Néviton Guedes, louvadamente, rememorando o ministro Gilmar Mendes destacou novamente “Quem faz a lei é como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As consequências da imprevisão e da imperícia não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis” [1]. 

A evolução do tema no Supremo Tribunal Federal
Com o espírito de dar voz aos anseios da sociedade, é que o STF tem sido a fonte principal de análise da aplicação do novo texto à atual estrutura de processos julgados sob a ótica da improbidade administrativa.

E por essa razão, recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deu um novo passo nesse sentido, quando firmou entendimento de que as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa também se aplicam retroativamente aos casos de atipicidade superveniente do tipo sancionador anteriormente previsto no caput do artigo 11 mesmo que na modalidade dolosa, como bem salientado pelo eminente e culto Francisco Vieira Lima Neto [2].

O artigo 1.022 do CPC
Ocorre que, o entendimento firmado pelo julgado em questão, assume novos contornos e repercussões jurídicas, já que além do reconhecimento da retroatividade da lei aos atos dolosos, existem outras questões jurídicas que advém da referida alteração, uma vez que, a ausência de pronunciamento do tribunal sobre a tese de aplicação da retroatividade pode gerar violação ao artigo 1.022 do CPC.

Questiona-se: quando provocado expressamente a se pronunciar acerca da retroatividade das alterações na Lei de Improbidade Administrativa, — no que se refere a atipicidade superveniente da conduta prevista no caput do artigo 11 ainda que na forma dolosa — o tribunal de origem deixa de se pronunciar sobre a tese, referida omissão violaria o artigo 1.022 do Código de Processo Civil? Seria possível determinação de retorno dos autos à instância de origem?

Evolução do tema no Superior Tribunal de Justiça
Este tem sido o entendimento agora adotado pelos Tribunais Superiores, em especial o STJ, haja vista que em recentíssimo julgado negou provimento ao agravo interno em agravo interno em recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, quando do julgamento do AREsp nº 2.185.370/RJ, em sessão presencial em 07/11a2023.

Após análise do recurso do Ministério Público Federal, a Turma manteve a decisão monocrática que em sede de reconsideração determinou o retorno dos autos à origem para que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região expressamente se manifeste sobre a tese da atipicidade superveniente do artigo 11 da Lei de Improbidade, o que ocasionaria a retirada da penalidade de perda da função.

No caso em análise, o réu da ação de improbidade administrativa foi condenado à perda do mandato de Deputado Federal (e juiz tem essa competência?). Após sentença em primeiro grau foi promulgada a Lei nº 14.230/2021 que alterou a Lei nº 8.429/92 e extinguiu a tipicidade do suposto ato praticado e que fundamentava a condenação.

Assim, já em sede de julgamento de apelação, o escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, na defesa dos interesses do cliente, opôs embargos de declaração exigindo análise da superveniência de atipicidade decorrente da extinção do tipo sancionador previsto no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, de forma que, a conduta do Réu deixou de figurar em qualquer uma das hipóteses dos incisos da lei.

Destacou-se ainda que o não pronunciamento incorre em violação de legislação federal, especificamente o artigo 1.022 do CPC, uma vez que, a penalidade atribuída, especificamente a perda da função pública, estava vinculada a ato que passou a ser considerado como atípico para fins de improbidade administrativa.

Recurso Especial inadmitido na origem, impetrado AResp, inadmitido em decisão monocrática, interposto agravo interno em que requereu a reconsideração da decisão.

Quando do julgamento do agravo interno, o ministro Relator Heman Benjamin, em juízo de retratação, ao analisar pormenorizadamente os autos, reconheceu tratar-se de matéria exclusivamente de direito dando provimento ao agravo interno em recurso especial para conhecer do recurso e dar-lhe provimento, determinando o retorno dos autos à instancia de origem, tendo em vista que a instância ordinária se omitiu sobre os itens “b” e “d”, que dizem respeito à atipicidade de sua conduta e à impossibilidade de aplicação da sanção da perda da função pública a partir da vigência da Lei 14.230/2021” [3].

Inconformado, o Ministério Público interpôs novo agravo interno contra decisão de retratação. A 2ª Turma, no entanto, em julgamento do dia 07/11/2023, manteve, por unanimidade, a decisão que reconheceu a omissão do Tribunal a quo em apreciar os pontos aventados em Embargos de Declaração.

Declarou-se que “deixando o acórdão de se manifestar sobre matéria relevante ao deslinde da controvérsia, rejeitando os embargos declaratórios e persistindo na omissão oportunamente alegada, incorre em ofensa ao artigo 1.022, II, do CPC/2015, reiterada, em sede de Recurso Especial” (AgInt no AREsp 1.521.778/MA. Relator ministro Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 20.2.2020).

Lições para guardar
O que se torna evidente é o efetivo esforço conduzido pelos Tribunais Superiores quanto ao alinhamento das interpretações sobre a aplicação da nova legislação utilizando-se dos princípios do Direito Administrativo Sancionador na atividade sancionatória exercida por órgãos e entidades da Administração Pública.

O esforço inicial foi deflagrado com a formulação do Tema 1.099 do STF, que declarou que se aplica imediatamente aos processos em curso a revogação do tipo de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa [4].

Agora, o STF, tem julgado com interpretação extensiva, no sentido de reconhecer a aplicação da atipicidade superveniente também no que diz respeito a atos dolosos expressamente revogados da lei [5].

É notório o empenho conjunto da Advocacia, do Judiciário e da comunidade jurídica no sentido de dar maior aplicação às modificações profundas que o sistema jurídico de improbidade administrativa sofreu, sempre sopesando o patrimônio público com o direito a efetiva prestação jurisdicional ao acusado.

Finaliza-se rememorando Jahrreiss, “Legislar é fazer experiências com o destino humano” [6]. Assim, a experiência, no caso, corrigiu os desacertos e finalmente harmonizou a lei às garantias constitucionais em uma experiência evolutiva.


[1] Guedes, Néviton. A PEC 37 e a investigação pelo Ministério Público. CONJUR. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2013-abr-23/constituicao-poder-pec-37-pressupostos-ministerio-publico>. Acesso em 09 de nov. de 2023.

[2] Neto, Francisco Vieira Lima. Improbidade por atos dolosos: o acórdão do STF no ARE 1.346.594. CONJUR. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-nov-05/francisco-lima-neto-stf-improbidade-atos-dolosos>. Acesso em: 09 de nov. de 2023.

[3] STJ. Decisão Monocrática. Ministro Herman Benjamin. AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 2185370 – RJ (2022/0246904-6).

[4] STF. TEMA 1099 -1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Redigirá o acórdão o relator. Presidência do ministro Luiz Fux. Plenário, 18.8.2022.

[5] STF. Segunda Turma. ARE 1.346.594. Ministro Gilmar Mendes.

[6] cfe. JAHRREISS, Hermann. Groesse und Not der Gesetzgebung. 1953. p. 5, apud Brasil. Presidência da República. Manual de redação da Presidência da República / Gilmar Ferreira Mendes e Nestor José Forster Júnior. – 2. ed. rev. e atual. – Brasília: Presidência da República, 2002, p. 76.

FONTE: https://www.conjur.com.br/2023-nov-10/silva-fernandes-ausencia-de-analise-da-atipicidade-superveniente-lei-de-improbidade/

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